domingo, maio 29, 2005

José Gil e o seu Medo de Existir

Portugal Hoje - O Medo de Existir de José Gil, ed. Relógio d'Agua, 142 páginas, é um livro que está a merecer os elogios inflamados e unânimes da crítica cultural portuguesa.

Concordando com o autor em algumas das suas observações, considero um livro fraco, confuso, (denso, na opinião de Eduardo Prado Coelho), e discordo em geral com a atribuição da culpa do mêdo português de existir aos 40 anos de ditadura Salazarista. É ridiculo fazer essa catarse agora, quando já passaram mais de trinta anos de democracia. O autor dá-nos uma ideia de um país parado desde a ditadura, que tão fortemente o marcou. É absurdo. O autor desconhece em absoluto a história do nosso país anterior ao séc. XX. O autor nunca ouviu falar do velho do Restelo?

Portugal tem alguns medos, mas o Medo de Existir não é só português. É sobretudo hoje uma demonstração exterior da crise gravíssima que assola os europeus em geral, e não uma caracteristica dos portugueses em particular. Veja-se exemplarmente o que acaba de suceder em França, onde numa participação excepcional, os franceses acabam de rejeitar a nova "Constituição" europeia. Porque o fizeram em massa se não foi por medo? 96% dos simpatizantes comunistas disseram não. 80% dos operários disseram não. 65% dos jovens disseram não. As zonas rurais disseram não. A França disse não pelas razões erradas. A França, como a Europa, querem manter o Estado Social, a fortaleza-Europa, uma pretensa ilha de prosperidade tranquila, quando o mundo lá fora não para, e quando milhões abraçaram o liberalismo económico, com o sucesso que muitos europeus parecem querer rejeitar.

terça-feira, maio 24, 2005

O destino dos abutres

Em 1977 visitei pela primeira vez a India. Lembro-me de ter ficado fascinado pela viagem sobretudo porque conheci o Ministro da Industria de então, tio de um colega meu que tinha emigrado para a Austrália. Este senhor recebeu-me muito agradavelmente na sua casa, cedida pelo Estado, onde trocámos impressões sobre um livro que tinha na altura um sucesso consideravel, intitulado Small is Beautiful de E. F. Schumacher, um emigrado alemão na Inglaterra,(ed. Blond & Briggs, UK, 1976, 287 páginas, que me custou £4,25, no Rio de Janeiro onde o comprei). Não me esquecerei dos argumentos que o ministro utilizou para criticar a sociedade industrial ocidental, e veladamente, o império soviético que nessa altura era um dos bons aliados da India, por ambos procurarem a riqueza económica a todo o custo com prejuizo da felicidade dos povos. Ele não queria computadores na India, que segundo dizia substituiam postos de trabalho, (um pouco à maneira da luta dos Luditas na Inglaterra victoriana na sua luta contra os teares), quando o que o povo precisava era de uma gamela de arroz para cada trabalhador. Nessa altura a sua posição até tinha lógica, mas para mim serviu como uma vacina que até hoje me dá imunidade contra o poder centralizador dos burocratas iluminados.

Durante essa visita tive ocasião de ao norte de Deli, visitar uma chamada Torre do Silencio, uma construção gigantesca para dentro da qual os Parsis, ou Zoroastros, lançam os seus mortos, que por não poderem, devido à sua religião, ser cremados ou enterrados, são assim devorados pelos milhares de abutres que sobrevoam essas torres. Numa hora, dizem, um cadaver humano fica reduzido aos seus ossos.

Desde há cerca de 15 anos que os abutres da India estão em extinção, não se sabendo porque foram morrendo dezenas de milhões desses animais outrora tão comuns quanto o pardal dos telhados. É verdade que o abutre, pelos seus hábitos alimentares, ao consumir exclusivamente cadaveres, é um animal repulsivo para a maioria das pessoas. Não esqueçamos no entanto que a sua função social é importante por limpar as carcaças de animais como a vaca, que por ser um animal sagrado para os Hindus, é deixado a morrer naturalmente

Com o gradual desaparecimento dos abutres, começaram a aparecer doenças como a raiva, sub-produto da abundância dos carnívoros selvagens, e os habituais perigos com a saúde publica.

Descobriu-se agora que a morte em massa dos abutres foi provocada, não por um virus, mas pela absorção de um produto veterinário dado ao gado, o diclofenac, que é altamente tóxico para o figado dos abutres do género Gyps, nomeadamente o Gyps bengalensis, o abutre comum de costas brancas, e o Gyps indicus, abutre de bico comprido. Está agora em curso na India um programa de eliminação gradual do diclofenac, com a paralela reintrodução dos abutres.

O abutre é um animal que está praticamente extinto na Europa, e até o grifo que era comum em Portugal, (lembro-me ter visto um ser morto por caçadores embora já nessa altura fosse proibido), está reduzido a alguns exemplares nas terras altas do Douro e nas margens do Guadiana.

E é extremamente curioso o que se descobriu agora: pela análise comparativa do DNA das aves, os abutres das Américas, tão semelhantes aos do velho mundo em todos os sentidos, inclusivamente no aspecto físico e habitos alimentares, não são sequer aparentados, sendo descendentes das cegonhas. Dois grupos de animais distintos evoluiram paralelamente, para formas semelhantes, para preencher um nicho ecológico específico, sem se encontrarem.

Portugal, Portugal

Chegada de manhã ao aeroporto. Na policia de fronteiras uma família de três grunhos de meia idade tenta evitar a longa bicha, passar pelo lado, onde passa o pessoal de voo. Mostraram-se surpreendidos e reclamaram quando o guarda os manda voltar para trás. Na mesma bicha um casal africano que obviamente não leu a sinalética que informa "pssaportes da Comunidade Europeia", é atendido por uma simpática funcionária que não o remete para a bicha dos "outros passaportes" como devia fazer. A bicha já longa demora ainda mais. Depois a espera das malas. Um tormento como sempre. Porquê? No estacionamento um esperto montado num Mercedes de construtor civil bloqueia a saída. Diz-me que a maquina devolve o cartão e não abre a cancela. Pergunto inocentemente se já pagou. Mostra-se surpreendido, e temos todos de recuar para ele fazer marcha atrás.

No meio de tudo isto o déficit do ano que ainda nem chegou a meio é comunicado com uma precisão de duas casa décimais. O povo engole, como vai engolir a inevitabilidade do aumento dos impostos.


-Querida este ano gastámos mais do que ganhamos!
-Olha filho, vai ter com o teu patrão e exige-lhe um aumento que compense o que gastamos!


Um amigo, advogado, pessoa por quem tenho o maior respeito, dizia-me no fim de semana: -mas o Estado não pode deixar de dar Educação e Saúde gratuitas! Pelo menos aos que mais precisam!
-Não pode? Mas pode não dar Justiça e Segurança? A Educação e Saúde estão primeiro que a Justiça e a Segurança? Quais são as areas prioritárias? Aquelas que por si justificam a existência do Estado?

domingo, maio 22, 2005

The Voice of the Dolphins de Leo Szilard, ed. Stanford University Press, 1992, 182 páginas .

Descobri Leo Szilard, cuja existência confesso que desconhecia por completo, através de um livo de Georg Picht, professor na Universidade de Heidelberg, traduzido do alemão para o francês, e intitulado "Reflections au Bord du Goufre", (ed. Robert Laffont, 203 páginas, 1970, edição original intitulada "Der Mut Zur Utopie" ed. R. Piper and Cº Verlag, Muenchen, 1969) que em 1971, data em que o comprei me revelou pela primeira vez a terrível catastrofe do holocausto nucear, e da explosão demográfica.

Este livro esteve esgotado durante anos e encontra-se disponível aqui, para compra, graças a uma edição universitária.

Agora que Einstein está na moda, por se celebrar o centenário da data da publicação da sua teoria da relatividade restrita, convém recordar a personalidade do homem que convenceu o seu compatriota emigrado Albert Einstein, um pacifista convicto, mas já então o que chamariamos hoje de uma celebridade, a escrever a carta para o Presidente Roosevelt que originou o projecto Manhatan, que deu origem à primeira bomba nuclear, que ao explodir em Hiroshima fez termirar a segunda Guerra Mundial, e iniciar a Idade Nuclear.

Leo Szilard é uma personalidade absolutamente fascinante. A Voz dos Golfinhos é uma alegoria futurista onde uma instituição de pesquisa molecular austriaca, consegue estabelecer contacto com um grupo de golfinhos, aprendendo a sua linguagem e comunicando com eles, e acabando por ser o intermediário mais credível numa confrontação entre Americanos e Soviéticos, que não leva a uma confrontação nuclear devido à superioridade intelectual dos golfinhos, que ensinam as partes envolvidas a resolver inteligentemente a questão. Relido agora o livro ainda é mais curioso, por nos levar para o Iraque, a crise do petróleo, a emergência da China como potência mundial, e os problemas derivados do desarmamento.

segunda-feira, maio 16, 2005

Comentário sobre o malfadado deficit

Acho surpreendente que se atribuam responsabilidades ao PSD por o actual governo não querer vender as pratas da casa e assim diminuir o deficit, e impedir uma qualquer punição da UE e o agravamento do rating do Estado.

O Barroso foi mau, o Santana foi péssimo. E depois? Isso resolve a situação? Não resolve.
O PSD está fora do governo e compete ao PS governar. Repito, compete ao PS governar. Repito, porque parece que ainda muita gente não entendeu que compete ao PS governar.

E governar implica olhar para a frente e tomar medidas impopulares que vão contra a prodigalidade habitual dos governos pós 25/4. Não é uma questão de direita ou de esquerda, é uma questão patriótica que pode implicar a perda da nacionalidade ou pelo menos da autonomia que nos resta. Já em 1488 D. Joao II teve de mandar importar da Europa desse tempo todas as roupas, móveis,etc., para o casamento do seu filho Afonso porque Portugal não produzia nada. Ninguém trabalha nem faz porra nenhuma.Temos vivido de dinheiro emprestado desde então. Hoje nem povo alfabetizado já temos. Só nos resta a inveja. Inveja dos poderosos, inveja dos ricos, inveja dos cultos,ou melhor, nem sequer inveja nos resta porque a inveja pressupõe querer para si o bem de outrem, e nós nem isso queremos. Queremos apenas que todos vivam na merda. Queremos todos ser funcionários publicos, salário garantido, dois cafézinhos por dia, prestação do carro, telejornal, bola e pantufas. Pois bem, isso acabou. Não há mais India, Brasil ou Africa e até acabarm os fundos da UE. Será que nem agora vamos acordar para a realidade?

domingo, maio 15, 2005

Hoje Dia da Libertação (dos impostos)

Hoje é um dia muito importante para todos os portugueses.

15 de Maio celebra, este ano, a data a partir da qual um português representativo, por ter já ganho entretanto o rendimento suficiente para pagar os seus impostos, fica exonerado das obrigações fiscais para com o Estado.

Daí a noção de “libertação” associada a este dia.

Em 2005, os portugueses irão trabalhar de 1 de Janeiro a 15 de Maio (durante 135 dias) para pagar as suas obrigações fiscais, ou seja, vão trabalhar 135 dia para o Estado. Só a partir de hoje começam a trabalhar para si e para as suas famílias*(apesar do déficit que alarga este prazo, mas vamos esquecer isso por enquanto que o dia é de folgar).

Parece muito quando compamos com outras economias como os Estados Unidos (93 dias) ou a Irlanda (113 dias). Parece mesmo muito quando comparado com as contrapartidas que recebemos do Estado. É no entanto pouco quando comparado com a média da zona euro (150 dias), ou com economias que nos querem apresentar como "modelo", como a Suécia (184 dias), a França (165 dias), ou a Finlândia (159 dias).

*Devemos este calculo, que espero seja continuado no futuro, a um trabalho conjunto do Gabinete de Análise Económica da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa(GANEC) e ao Activo Bank7.

sábado, maio 14, 2005

The Case for Democracy de Natan Sharansky

Com o subtítulo de The power Of Freedom To Overcome Tyranny & Terror ( ed. Public Affairs, 2004, 303 paginas) o livro do célebre refusenik judeu russo Natan Sharansky que se torna ministro de Israel depois de conseguir fugir da União Soviética e emigrar para este país, é um livro polémico dedicado ao grande Andrei Sakarov, de alguém cuja enorme experiência de vida lhe diz que há sociedades de "fear" e sociedades "free" e não há nada no meio.

Afirma ainda que a natureza do homem favorece a democracia, e que este caminho é irresistível.

O livro é polémico porque não aceita as nuances tão queridas aos diplomatas e jornalistas de hoje, que vêm os vários tons de cinzento ( a que Paul Johnson primeiro chamou de relativismo moral) de permeio.

O livro ainda se tornou mais polémico depois de ter sido referenciado pelo Presidente Bush como o seu livro de cabeceira.

Este é um livro de um homem extremamente corajoso, que viu o interior da tirania, e que só peca, a meu ver, por focar demasiado o caso judeu-palestiniano, em detrimento de outras tiranias no mundo. Mas o autor defende bem o seu caso, e aconselho vivamente a sua leitura para formar uma opinião.

quinta-feira, maio 12, 2005

O Rallye a Dakar - a suprema javardice

Gostava de ver qualquer pessoa sensata revoltar-se contra o facto de Portugal estar todo ufano por ir receber o famigerado Rallye a Dakar.

Parece que não.

Àparte o factor custo (parece que o organizador já tem garantido o pagamento por parte do Estado, ou da Autarquia de Lisboa, de 70% do custo, o que é extraordinário num país à beira da falência), existe no Mundo alguma prova "desportiva" mais imbecil para patrocinar?

A desvastação que a passagem destes carros, ou camiões, ou motas, ou todo junto, fazem sobre talvez um dos mais frágeis ecosistemas do planeta - o deserto do Sahara, é esmagadora. Nós vamos colaborar nisso.

O exemplo de consumo que o "homem ocidental civilizado" dá, para milhões que vivem à margem da civilização, na extrema pobreza, na Idade Média, é pelo menos abjecto. Nós vamos colaborar nisso.

O país vai promover marcas e produtos que não fabrica, que não vai consumir, e que não interessam aos portugueses. Nós vamos colaborar nisso.

Este Rallye é uma amostra terceiro mundista, do pior de nós todos, tão unidos que estamos em proteger a Costa Vicentina, ou a zona dunar da Caparica, e a promover a destruição activa de milhares de quilómetros de paisagem de deserto.