segunda-feira, outubro 23, 2006

Ó Mar Salgado quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!

Gosto do mar. Interesso-me pelo mar. Tenho na minha biblioteca uma secção com mais de duzentos e cinquenta livros sobre vela, viagens de barco, guias-piloto, barcos à vela, metereologia marítima, navegação e cartas de navegação, história marítima, marinharia, mergulho, pesca, fauna e flora marítimas, eu sei lá. Tenho uma relação íntima com o mar, pela vela, que agora pratico pouco, pelo mergulho, semanal, até pelas idas regulares ao Meco ver o pôr do sol no mar, ou por algumas conferências a que tenho regularmente assistido sobre o tema.

A história de Portugal fez-se no mar, e os melhores portugueses andaram no mar, ainda que a grande maioria tenha vivido sempre de costas voltadas para aquilo que é a razão de ser da nossa independência ibérica. O mar, exceptuando para os habitantes das ilhas atlanticas, tem estado ausente das nossas preocupações como povo, apesar da zona económica exclusiva marítima portuguesa representar dezoito vezes a area do território nacional.

O Rei D. Carlos, foi o primeiro governante a interessar-se pelo mar de um ponto de vista cientifico, seguindo aliás a moda iniciada pelo seu primo monegasco. Mas o mar tem sobretudo servido de pretexto para empregos e tachos inúteis como recentemente sucedeu com a infeliz Comissão Mundial Independente para os Oceanos fundada em 1998, e que redigiu apenas um Relatório, que ninguém leu, talvez porque publicado pela Fundação Mario Soares, curiosamente o mesmo senhor que presidia à referida Comissão. Recorde-se todavia o mérito de Cavaco Silva por ter sido o primeiro a nomear um Ministro do Mar no seu governo, e por ter sido o promotor da inicialmente tão atacada Expo98 ( o site diz estar, ironicamente, "em construção"), de saudosa memória, e dedicada ao tema do mar.

A instalação em Lisboa da Agência Europeia para a Segurança Marítima , foi mais recentemente, um pequeno passo para o reconhecimento, no país, da importância que para nós tem os assuntos relacionados com o mar.

É também de louvar a iniciativa do governo presidido por José Socrates, que no ano passado criou no Ministério da Defesa, uma Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM), que publicou um interessante Relatório que comporta uma Estratégia Nacional para o Mar, que está em discussão pública até ao dia 3 de Novembro de 2006, e onde são salientados "três Pilares Estratégicos" e "oito Acções Estratégicas que identificam medidas transversais que contribuem para criar condições favoráveis para o aproveitamento sustentável do Mar", que a seguir passo a citar nos próprios termos do Relatório:

A construção de uma economia marítima próspera ao serviço da qualidade de vida e do bem-estar social e respeitando o ambiente, tem de ser suportada pelos seguintes pilares estratégicos:

a) O Conhecimento;

b) O Planeamento e o Ordenamento Espaciais;

c) A promoção e a defesa activas dos Interesses Nacionais.


e as oito acções estratégicas são as de:


1. Sensibilizar e mobilizar a sociedade para a importância do Mar.

2. Promover a divulgação nas escolas das actividades ligadas ao Mar, promovendo nomeadamente os desportos náuticos como componentes do desporto escolar,

3. A definição de Portugal como um centro de excelência de investigação das ciências do Mar da Europa, optimizando os meios existentes e apostando na formação e fixação de recursos humanos altamente qualificados e na criação de infra-estruturas que permitam concretizar este importante projecto,

4. O correcto ordenamento e planeamento espacial do espaço oceânico e das zonas costeiras,

5. A protecção devida do valioso património natural marinho que Portugal possui, através do conhecimento e avaliação da biodiversidade marinha, bem como dos valores geológicos, arqueológicos, estéticos e históricos, da implementação de uma rede nacional de áreas marinhas protegidas, da recuperação de ecossistemas degradados e da monitorização do ambiente marinho, da implementação de medidas de gestão sustentável dos recursos vivos e da investigação e salvaguarda do património cultural subaquático,

6. Assegurar informação credível e actualizada que possa ser colocada ao serviço do desenvolvimento económico e social do país,

7. Promover as condições para a instalação das seguintes indústrias e actividades no nosso país apostando no seu potencial económico e tecnológico e retirando no futuro os benefícios decorrentes dessa aposta: a aquicultura offshore, a biotecnologia, as energias renováveis e a robótica submarina,

8. Um eficiente sistema integrado de vigilância, segurança e defesa nacional, que possua os meios que possibilitem uma eficaz e articulada vigilância marítima, a salvaguarda contra riscos naturais, o combate à poluição, ao terrorismo, ao tráfico de droga e às restantes actividades ilícitas.

Cada uma destas oito acções estratégicas atrás definidas "tem a ela associada um conjunto de medidas" (cerca de quarenta) "na sua relação com os três Pilares Estratégicos que alicerçam esta Estratégia Nacional para o Mar".

Parece-me que até aqui tudo bem, e só posso louvar a importância e abrangência das medidas propostas.

Mas até aqui é apenas mais do mesmo, porque entre nós, como de costume, no papel está tudo bem. Será que a vontade política e os meios financeiros disponibilizados pelo governo vão acompanhar esta grandiosa ambição agora anunciada? Esperemos que sim. É uma oportunidade única, e os nossos parceiros e concorrentes no mercado mundial estão a olhar para as potencialidades do mar com novos olhos. O governo tem-nos habituado a governar com grandiloquência para os media: muita conversa e pouca acção, ou justamente a acção suficiente para que tudo pareça mudar ficando tudo na mesma (ou quase), satisfazendo assim os que querem a mudança e os que querem que tudo fique na mesma. Ficará também este projecto em águas de bacalhau?

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