terça-feira, abril 10, 2007

Bono, um filantropo insuspeito

O músico irlandês Bono é um gajo que tem o condão de me irritar. Não tanto pelo seu slogan pessoal "make poverty history", mas sobretudo por tudo o que está implícito na sua acção meritória em favor da humanidade, a ideia fácil e intuitiva de que são os capitalistas ocidentais os maus da fita e que se todos quiséssemos, o continente africano podia ser tão rico como o ocidente, ter o mesmo nível de saúde ou mesmo de escolaridade. Bastaria para isso que mais gente assistisse aos seus concertos, que todos dessem as mãos, acendessem os isqueiros, e cantando em uníssono mandassem o seu rico dinheirinho para as organizações que patrocina.

O seu conceito particular sobre os males do capitalismo é particularmente perigoso pelo alcance que as suas palavras tem sobre os mais ignorantes, menos preparados e mais receptivos à introdução de ideias simples que explicam o funcionamento do mundo, os jovens. São os bons contra os maus e o Bono está do lado dos bons.

Interroguei-me aqui sobre o que levaria o Presidente da Republica Jorge Sampaio a interromper as suas férias para vir condecorar a banda dos U2 no Palácio de Belém, mas o Presidente Sampaio respondia apenas à moda do tempo, e é-lhe indiferente que o Bono tenha tanto respeito pela pobreza, quanto o Keith Richards respeita as cinzas do seu pai: são ambas para inalar.

O Insurgente chamou-me à dias a atenção para uma acção do Bono em favor dos pobres, que remete para uma crítica de dois autores sobre a hipocrisia do gesto, e deu-se o caso de estar neste momento a ler um livro ("O Economista Disfarçado" de Tim Harford, Lisboa 2006, ed. Presença, 287 páginas), que explica um caso semelhante que passo a relatar.

A marca de café Costa, com sede em Londres, é uma das maiores marcas mundiais de café do mundo. Sempre preocupados com a maneira como podem diferenciar preço entre os clientes que são mais ou menos sensíveis à diferença de preço numa bica, isto é fazer pagar mais por um café a todos aqueles que não se preocupam em pagar mais, inventaram um sistema brilhante: criaram o conceito de Preço Justo no produtor. Está logo aí implícita a ideia de que os preço no produtor do terceiro mundo não são justos, e derivam de uma exploração que os capitalistas fazem do baixo poder de negociação daqueles, e isto corresponde muito concretamente a uma ideia errada mas que está generalizada na sociedade ocidental moderna. Os clientes preocupados estarão assim dispostos a pagar mais quinze cêntimos por bica ( £1,85) do que os clientes que não querem saber dos pobres do terceiro mundo (£1,75 por bica), e a diferença de preço é o valor que é entregue ao produtor pobre. Quinze cêntimos por café não é muito, e ajuda sensivelmente o produtor. Mas será mesmo assim?

A verdade é que o custo dos grão de café numa bica são apenas de 2,1 cêntimos, ou seja 0,7% do valor de venda da bica para o cliente final preocupado. Uma bica leva 7 gramas de café e os cafés Costa compram cada quilograma de café por, no máximo, 3 euros. Em cada bica que os cafés Costa vendem vão 2,1 cêntimos para o produtor, um pouco mais se acreditarmos que os cafés Costa valorizam o Preço Justo que apregoam, mas nunca 17,1 cêntimos ( 15 cêntimos da diferença de preço mais 2,1 cêntimos do custo do café), como nos querem fazer crer. Os cafés Costa não fazem nada de anormal, apenas se aproveitam da ingenuidade daqueles que não se importam de pagar um pouco mais na bica para "ajudar os pobres produtores explorados", para retirar um pouco mais de lucro para si.

Diga-se em abono da verdade que quando os cafés Costa foram confrontados com esta evidência, no final de 2004, acabaram com a diferenciação de preço, porque perceberam que isso lhes estava a causar má publicidade.

A conclusão a que se chega generalizando deste exemplo, é a de que é sempre possível fazer "caridade" quando o preço de custo do produto, é, como no caso dos cafés Costa, insignificante no preço do produto final.

Foi este negócio que o Bono descobriu: Bono offers clothing with a conscience.

Só oferece roupa "casual" e com preços no consumidor em Nova Iorque, que estão entre os 50 dólares por uma t-shirt e os 300 dólares por uns jeans. O filantropo Bono paga 40 cêntimos por hora a cada trabalhador (acima do salário mínimo no Lesotho, segundo o director da fábrica).

A fábrica que emprega 125 mulheres produz por dia 3.000 peças de roupa. A um preço médio de 100 dólares, o Bono factura em Nova Iorque 300.000 dólares por dia, e vai pagar no Lesotho 1.000 dólares por dia de salários.

Não é necessária grande matemática para perceber que mesmo incluindo o preço do tecido de algodão que compra no local, o Bono está a fazer um negócio das arábias. Porque está a convencer ingénuos preocupados em Nova Iorque a pagar 50 dólares por uma t-shirt que vale dez, ou trezentos dólares por uns jeans que valem cinquenta.

Os preocupados que alimentam a conta bancária do Bono ou do Sr. Costa, são os mesmos que estão contra a deslocalização de fábricas para países onde a mão de obra é mais barata, preferindo que os habitantes locais tenham fome ou andem sem emprego, a vê-los receber salários indignos no ocidente. Admira-me que não tenham aberto os olhos para o caso do Bono. Admira-me também que ninguém tenha alertado o Bono para isto. Será ele assim tão ignorante?