sexta-feira, agosto 03, 2007

O Senso Comum é bem pouco Comum

Consideremos a Politica Agrícola Comum (PAC) da Comunidade Europeia, pela qual alguns milhares de agricultores recebem biliões de euros de subsídios para manter baixos os preços de produtos agrícolas produzidos na UE.

A Lei económica das Vantagens Comparativas diz-nos que esta política é um erro: a concorrência internacional e a abertura dos mercados fazem os preços baixar e não subir. No entanto esta evidência pode parecer contra intuitiva: "A PAC protege-nos das flutuações dos mercados", ou "a PAC protege a Europa do domínio dos mercados Americano/Russo/Asiático", ou ainda "a PAC é uma reserva estratégica da Europa". Todos estes sentimentos fazem sentido, mas valem a transferência económica da grande maioria para uma minoria insignificante, de tantos biliões?

Um político que tenha que navegar dentro das variadíssimas posições que cada europeu tem sobre a PAC, vai ter de chegar a um consenso, se quer manter o seu lugar e garantir a sua reeleição - e é para isso que é político. E o consenso é naturalmente tentar satisfazer a uns e outros "dividindo o mal pelas aldeias": as verbas da PAC não serão cortadas nos próximos 10 anos mas irão sendo reduzidas ao longo do tempo.

Esta política é errada, representa um desperdício anual de biliões de euros, mas é inevitável, e é esse o fruto da irracionalidade dos eleitores. Não lhe chamemos de ignorância porque se trata apenas de irracionalidade. Até os eleitores esclarecidos aceitam esta política.

Todos os dias a mão invisível do mercado nos faz tomar decisões que são as melhores para nós: a compra do pão, do leite ou de mercearias regem-se por critérios práticos daquilo que mais barato e melhor podemos comprar com o nosso dinheiro. O conjunto das compras e vendas fazem o mercado, e ninguém são de espírito nega a sua eficácia (e muito menos os que viveram ou vivem ainda nos paraísos socialistas de prateleiras vazias). Escolhemos o que é melhor para nós porque temos algo a ganhar ou perder. Directamente. Sem intermediários.

Quando vamos votar sabemos claramente que com nosso voto é impossível mudar o resultado das eleições. Na prática ninguém ganha nem perde por um voto. O custo/benefício da mudança, para o bem ou para o mal também fica diluído nos milhares de votos: se eu votar mal o meu prejuízo pessoal será insignificante depois de dividido por todos, e se votar bem o meu benefício será consequentemente também diminuto. Logo, posso votar não naquilo que acho economicamente melhor, mas naquilo que me dá mais prazer, numa ideia, num sentimento, numa ideologia, uma motivação poética, num preconceito. Se na economia real o consumidor é egoísta, porque escolhe o melhor para si, no voto o eleitor é naturalmente altruísta porque o preço a pagar pelo altruísmo é muito mais barato do que na economia real.

Quais são os principais preconceitos que uma maioria de nós temos: o preconceito de que o mercado é mau e anárquico e que deve ser controlado, esquecendo que foi graças a sistema capitalista de mercado que o mundo produziu a riqueza que hoje tem. O preconceito xenófobo, ou de que os estrangeiros vem roubar os nossos lugares que são preciosos. O preconceito de sobrestimar o valor dos postos de trabalho na economia (1), ignorando que quando se destrói um posto de trabalho é porque se aumentou a produtividade, e que só o aumento de produtividade é fonte de riqueza. E, finalmente o preconceito do pessimismo económico ou de que o mundo está cada vez pior, quando sabemos que o mundo está melhor do que alguma vez esteve.

Quando vamos votar o nosso voto, porque nos sai barato, é frequentemente irracional. E se o voto não altera o resultado votamos frequentemente em politicas que nos fazem sentir bem com nós próprios e com os nossos preconceitos, mesmo quando sabemos que essas políticas são desastrosas na prática.

A democracia estará assim destinada ao fracasso? Não está, e continua a ser o menos mau de todos os regimes políticos, e o nosso papel e o de a entender e melhorar.

Para ler mais sobre este assunto recomendo fortemente a leitura do livro The Myth of the Rational Voter de Bryan Caplan, professor de Economia na George Mason University ( ed. Princeton University Press, em New Jersey e Oxford, 276 paginas). Fascinante.

(1) Conta-se a história de um professor de economia que ao visitar a China dos tempos de Mao, foi levado a assistir à construção de uma barragem por milhares de homens com pás e picaretas nas mãos, e tendo perguntado porque não usavam máquinas, foi-lhe respondido que o que pretendiam era ocupar a mão de obra que tinham. Ao que o economista respondeu: - "Se o que querem é manter a mão de obra ocupada porque não substituem as pás e picaretas por colheres de chá?". Tive uma experiência semelhante na India de Indira Gandi, onde num jantar com o Vice-Ministro da Industria ele me disse claramente que na India não eram precisos computadores, porque precisavam era de gente para escrever documentos à mão e com isso receber um pedaço de arroz. Confesso que na altura não sabia a história do economista na China, e fiquei calado.