terça-feira, maio 24, 2005

O destino dos abutres

Em 1977 visitei pela primeira vez a India. Lembro-me de ter ficado fascinado pela viagem sobretudo porque conheci o Ministro da Industria de então, tio de um colega meu que tinha emigrado para a Austrália. Este senhor recebeu-me muito agradavelmente na sua casa, cedida pelo Estado, onde trocámos impressões sobre um livro que tinha na altura um sucesso consideravel, intitulado Small is Beautiful de E. F. Schumacher, um emigrado alemão na Inglaterra,(ed. Blond & Briggs, UK, 1976, 287 páginas, que me custou £4,25, no Rio de Janeiro onde o comprei). Não me esquecerei dos argumentos que o ministro utilizou para criticar a sociedade industrial ocidental, e veladamente, o império soviético que nessa altura era um dos bons aliados da India, por ambos procurarem a riqueza económica a todo o custo com prejuizo da felicidade dos povos. Ele não queria computadores na India, que segundo dizia substituiam postos de trabalho, (um pouco à maneira da luta dos Luditas na Inglaterra victoriana na sua luta contra os teares), quando o que o povo precisava era de uma gamela de arroz para cada trabalhador. Nessa altura a sua posição até tinha lógica, mas para mim serviu como uma vacina que até hoje me dá imunidade contra o poder centralizador dos burocratas iluminados.

Durante essa visita tive ocasião de ao norte de Deli, visitar uma chamada Torre do Silencio, uma construção gigantesca para dentro da qual os Parsis, ou Zoroastros, lançam os seus mortos, que por não poderem, devido à sua religião, ser cremados ou enterrados, são assim devorados pelos milhares de abutres que sobrevoam essas torres. Numa hora, dizem, um cadaver humano fica reduzido aos seus ossos.

Desde há cerca de 15 anos que os abutres da India estão em extinção, não se sabendo porque foram morrendo dezenas de milhões desses animais outrora tão comuns quanto o pardal dos telhados. É verdade que o abutre, pelos seus hábitos alimentares, ao consumir exclusivamente cadaveres, é um animal repulsivo para a maioria das pessoas. Não esqueçamos no entanto que a sua função social é importante por limpar as carcaças de animais como a vaca, que por ser um animal sagrado para os Hindus, é deixado a morrer naturalmente

Com o gradual desaparecimento dos abutres, começaram a aparecer doenças como a raiva, sub-produto da abundância dos carnívoros selvagens, e os habituais perigos com a saúde publica.

Descobriu-se agora que a morte em massa dos abutres foi provocada, não por um virus, mas pela absorção de um produto veterinário dado ao gado, o diclofenac, que é altamente tóxico para o figado dos abutres do género Gyps, nomeadamente o Gyps bengalensis, o abutre comum de costas brancas, e o Gyps indicus, abutre de bico comprido. Está agora em curso na India um programa de eliminação gradual do diclofenac, com a paralela reintrodução dos abutres.

O abutre é um animal que está praticamente extinto na Europa, e até o grifo que era comum em Portugal, (lembro-me ter visto um ser morto por caçadores embora já nessa altura fosse proibido), está reduzido a alguns exemplares nas terras altas do Douro e nas margens do Guadiana.

E é extremamente curioso o que se descobriu agora: pela análise comparativa do DNA das aves, os abutres das Américas, tão semelhantes aos do velho mundo em todos os sentidos, inclusivamente no aspecto físico e habitos alimentares, não são sequer aparentados, sendo descendentes das cegonhas. Dois grupos de animais distintos evoluiram paralelamente, para formas semelhantes, para preencher um nicho ecológico específico, sem se encontrarem.