sábado, junho 04, 2005

A Europa de gatas

O bem sonante Não holandês que se segue ao Não francês ao projecto de Constituição Europeia, veio mostrar aos mais adormecidos o que todos sabem mas não querem confessar: o projecto de uma maior integração europeia já era.

A ideia europeia começou em França, alavancada por um pequeno número de burocratas, assustados com a facilidade com que os povos europeus se matavam por ideologias como o fascismo e o comunismo. A França abraçou desde logo esse ideal porquanto pensava que a sua posição geográfica iria fazer dela uma placa giratória que defendia exemplarmente os seus interesses comerciais e paralelamente diplomaticos, reavivando com isso a sua "grandeur" colonial perdida. A França alinhou enquanto se sentiu imprescindível. Disse não no momento em que percebeu que no meio de 25 o seu poder era diluido. O povo francês não quer mais saber da Europa. Aliás nunca quis.

A verdade é que antidemocraticamente, e isto é válido para todos os países que aderiram à comunidade, o ideal europeu representou sempre e só um projecto económico, fruto da vontade das sua elites, e nunca fruto da vontade dos seus povos. Até no nosso pobre país o ideal europeu nunca foi a votos, e é apenas discutido em seminários (por iniciativa do Presidente da Republica(!)) na Gulbenkian, como se esse fosse o local ideal para debater um projecto desta amplitude, e leva-lo até ao povo, e torna-lo seu.

Também hoje a generalidade dos políticos europeus são democratas de fachada que não acreditam na sabedoria do povo, mas apenas se servem dele para os seus projectos pessoais, porque na velha Europa a aristocracia e a igreja, deram lugar a uma outra classe de previlegiados, os políticos, que dominam o poder de um modo exclusivo.

E não há nenhum país onde isso seja mais patente do que em França, onde o Presidente Chirac, com a sua reeleição tornada agora impossível , escolhe como Primeiro Ministro o seu criado e mais fiel servidor, um homem que nunca se sujeitou a escrutínio popular, caso que acredito seja inédito, com a finalidade clara de nos próximos anos ir "amaciar" o caminho da lei para que o seu mentor esteja a salvo quando descer do poder. Lembre-se a propósito que Chirac risca a prisão quando deixar de ser inimputável, e toda a sua verborreia contra o "neo-liberalismo" não teve outra função que não fosse alimentar a chama sagrada da esquerda e ir buscar todos os votos possíveis, para a sua reeleição. E o paladino do Não francês, o ex-primeiro ministro socialista Fabius, que outra coisa quer que não ser presidenciável, na corrida contra os naturais candidatos da esquerda?

Caso único? De modo algum. Basta perguntar-se que outra coisa faz Berlusconi em Italia, e a resposta está à vista: nenhuma das anunciadas impopulares medidas de restruturação foi tomada, mas foram dados passos importantes para o salvar das garras da lei, e o segurar por mais uns anos no cargo.

De modo que na Europa - veja-se também o caso exemplar da Alemanha onde se discute o"capitalismo dos gafanhotos",- estamos na estaca zero de crescimento económico mas a discutir o sexo dos anjos, ou como eufemísticamente agora se chama, o modelo social europeu. Uma treta, claro está, para alimentar a classe política.

Vamos ver numeros: O salario horário na agricultura em Portugal é de 5€, em França 9€, na Alemanha 10€, (excepto os 300.000 polacos que importa anualmente para apanha da fruta), em Marrocos aqui ao lado 50 cêntimos, e na China 3 cêntimos. Podemos competir? A produtividade de um trabalhador agrícola português na apanha de morango é de 1 kg/hora, de um romeno é de 3 kgs/hora, e de um ucraniano importado para o efeito é de 5 kgs/hora. Podemos competir?

Podemos fechar as fronteiras, e aguardar calmamente a estagnação tecnológica e económica. Vamos vender turbinas, TGVs e Airbus aonde? Comprar petroleo aonde? Não podemos fechar fronteiras. Podemos voltar às moedas iniciais, como sugere um qualquer ministro italiano? Fazer talvez uma desvalorizaçãozinha rápido, rápido e voltar ao euro? Ridículo.

A Europa tem de se democratizar, deixar que sejam os seus povos a assumir os riscos das suas decisões, desmantelar a fortaleza, e não ter medo de ir para a frente. Acabar com os enfatuados burocratas que sabem mais, e que se protegem da concorrência, fazendo crer que nos protegem da concorrência. Isso implicará alguns sacrifícios para as gerações presentes, mas é condição imprescindível para que a Europa tenha algum futuro. A discussão vai agora começar, e penso que vai ser muito muito interessante. E pela primeira vez todos teremos algo a dizer.