terça-feira, janeiro 10, 2006

A ideia de Europa é hoje muito poucochinho, infelizmente

Com um Prefácio assinado nada menos que por José Manuel Durão Barroso, a Gradiva publica (ed. Gradiva, Dezembro de 2005, 55 páginas), um pequeno opúsculo sobre uma palestra proferida por George Steiner em 2004 no Nexus Institute em Amsterdam.

George Steiner, natural de Paris, mas educado nos Estados Unidos, é um produto da mais alta cultura europeia. Talvez por isso seja considerado um humanista pessimista. A sua voz é genial.

Começa por nos dizer, de forma brilhante, que a ideia de Europa se revê à volta da imagem dos cafés europeus. Só na Europa existem cafés, onde se convive, se discute, se escreve, e até se pode beber um pouco. Como ele refere "ninguém redige tomos fenomenológicos num bar americano (cf. Sartre)". A cultura do café, de Lisboa a Viena está ligada ao mais íntimo do ser europeu.

A Europa é um lugar onde se anda a pé, "a Europa foi e é percorrida a pé". "Esse facto determina uma relação existencial entre a humanidade europeia e a sua paisagem". " A história europeia está repleta de longas marchas".

"As ruas, as praças calcorreadas pelas mulheres, crianças e homens europeus são cem vezes mais designadas segundo estadistas, figuras militares, poetas, artistas, compositores, cientistas e filósofos". "Até uma criança na Europa se dobra sobre o peso do passado como tão frequentemente se dobra sob o peso das mochilas escolares".

A Europa tem uma herança dupla de Atenas e de Jerusalém. "Uma relação simultâneamente conflituosa e sincrética" que "ocupou o debate teológico, filosófico e político desde os Doutores da Igreja a Leon Chestov, de Pascal a Leo Strauss". "Permanecemos saturados das raízes gregas". "A obsessão pela tensão entre judeus e gregos levou à invenção da cristandade por Paulo".

Temos finalmente a consciência do nosso próprio ocaso, o que explica as guerras fratricidas em que estivemos envolvidos.

E assim com o diagnóstico feito pergunto: tudo isto chega para termos uma ideia de futuro para a Europa?

Obviamente não chega. Como explicar senão o êxodo dos jovens para as Américas? A perca da identidade nacional e o domínio avassalador da língua inglesa? A uniformização da cultura importada? A vaga gigantesca de agnosticismo, senão mesmo de ateísmo?

Gerge Steiner diagnostica os problemas de uma forma brilhante mas não consegue apontar soluções, referindo apenas que a Europa "pode ter o privilégio imperativo de pôr em prática um humanismo secular". "A Europa pode apontar uma vez mais o caminho a seguir". "Pode ser que a Europa venha a gerar uma revolução contra-industrial, assim como gerou a própria revolução industrial". O que é isso? Não diz.

George Steiner não se interroga sobre o porquê do sucesso americano ou asiático. É verdade que "fazer dinheiro e inundar as nossas vidas de bens materiais cada vez mais trivializados é uma paixão profundamente vulgar e inane". Mas pode-se argumentar com isso a quem não tem nada? George Steiner sabe isso muito bem, ele que talvez mais do que nenhum outro conhece o mundo anglo saxónico, e o pensamento americano.

O mundo vive hoje uma repetição da extraordinária revolução que a descoberta do caminho marítimo para a Índia, e a conquista das Américas trouxeram para a Europa: a globalização. Nessa altura também muitos desapareceram.

George Steiner não fala por isso do essencial e nesse aspecto a minha crítica: numa sociedade tecnológica avançada, no mundo globalizado, quem não for competitivo está destinado a desaparecer, e a Europa é hoje pouco, muito pouco competitiva, com encargos sociais gigantescos e com uma demografia que ainda por cima não ajuda.

Não haverá por aí que aponte um caminho? Estamos mesmo destinados a ser o fim da História?