quinta-feira, junho 01, 2006

Timor, outra vez

Estamos de novo inundados com notícias sobre Timor.

Não própriamente notícias mas pseudo-notícias. E em primeiro lugar porque as notícias sobre Timor provém unicamente das mesmas três fontes: Xanana, Mari Alkatiri, e Ramos Horta, como se o resto pura e simplesmente não existisse. Os nossos jornalistas no local não procuram saber. Nem sequer nos são explicadas as relações entre estes três actores.

Timor vive em guerras tribais desde sempre. Num pequeno território de 15.000 kilometros quadrados, (mais ou menos metada da área do Alentejo), coexistem mais de vinte grupos étnico-linguisticos diferentes e mais de cem clãs. Os primeiros a conseguirem "pacificar" os timorenses que viviam numa civilização da Idade da Pedra, foram os portugueses pela força, e mesmo assim só em algumas cidades, e nunca no interior. Lembro-me que em 1973 participei, incluído numa equipa inglesa, no planeamento da primeira estrada a ser alguma vez construida no interior da colónia.

Saídos os portugueses, intervalados com brutalidades praticadas pelos holandeses, e japoneses, estes apenas brevemente durante a segunda guerra, entraram os indonésios. Saídos os indonésios, entrou a ONU com um simulacro de eleições (simulacro porque nem o actual Governo nem o Parlamento se sujeitaram a eleições). Saída a ONU voltaram as guerras tribais. Hoje mesmo, um ex-prémio Nobel da Paz é nomeado naturalmente e sem qualquer surpresa, Ministro da Defesa. Hoje os timorenses voltaram a ser os Firaku e os Kaladi.* Voltaram tambem as teorias da conspiração sobre os interesses escondidos dos australianos, dos chineses, ou como sempre, dos americanos, sobre o petróleo de Timor.

Timor não interessa a Portugal. Não temos relações comerciais com Timor. Nem sequer depois da Independência. Não temos afectos. Nem temos sequer a lingua portuguesa que é recusada por muitos. Então o que nos liga a Timor? A catarse colectiva. O complexo de culpa de uma descolonização mal feita em África, contra a qual já não podemos fazer nada, e uma tentativa de apagar esses erros com uma actuação sem meios, sem política, sem influência na região. Não fala grosso quem quer, fala grosso quem pode.


*Quando os portugueses chegaram a Timor uns viraram-lhes as contas e foram embora(os "vira-o-cu", "firaku"), outos ficaram calados e aceitaram ("Kaladi"), e essa divisão artificial (e não étnica, ainda que o adjectivo tenha perdurado), ficou até hoje.