domingo, novembro 27, 2005

Genes, Memes, and Human History, de Stephen Shennan

Para o comum dos mortais a arqueologia é um tema árido, restrito, sem qualquer interesse, reduzido a um conjunto de intelectuais que falam uma linguagem codificada, à volta de uma mesa, sobre coisas tão inúteis como os desenhos de Foz Coa, ou os punhais da Idade do Bronze. Os arqueólogos tornaram-se etnógrafos falhados, que lamentando a falta de contacto com os povos do passado que pretendem descrever, deixaram a ciencia e dedicaram-se à especulação cientifica.

Não tem que ser assim.

O subtítulo deste livro é por isso revelador: Darwinian Archeology and Cultural Evolution (ed. Thames & Hudson, Londres, 2002, 303 páginas, 37.95€), e foi sugerido pela descoberta pelo autor do Gene Egoísta, um livro célebre dos anos setenta onde Richard Dawkins, professor de biologia em Oxford, lança a ideia, hoje adoptada pela generalidade da comunidade cientifica, de que a evolução, incluindo o altruismo, pode ser explicada em termos do 'interesse' egoísta dos nossos genes que são passados através das gerações pela reprodução biológica. Os animais, entre os quais se incluem naturalmente os humanos, não são mais do que os veículos através dos quais os genes se reproduzem. Dawkins é também o autor do termo meme, que designa os elementos da cultura que são passados através das gerações, sobretudo (mas sabe-se agora que não só) entre os humanos, e que nos permitem escapar à 'tirania' dos genes que dominam as nossas acções.

Desde que os primeiros hominídios saíram de África em direcção ao Norte, há cerca de 150 a 200.000 anos, a organização social dos proto-humanos, e depois humanos, passou por várias fases, desde o bando de caçadores-colectores, que se mantem hoje nas comunidades de macacos, à tribo patrialcal, ao clan, e finalmente ao estado, que conhecemos no mundo a que chamamos organizado de hoje, e desde que há história escrita, ou seja desde os egípcios. Há apenas 13.000 anos começou a agricultura e concorrentemente a domesticação dos animais (e há apenas 6.000 anos na Europa), e desde então, com o auxílio da tecnologia, a evolução social tem sido galopante.

O livro insite na importancia dos memes para a evolução social. Começa por discutir a adaptação aos humanos do estudo do comportamento animal em termos de maximização do processo reprodutivo. Em seguida aborda o tema da transmissão da cultura (memes)como fenómeno hereditário logo a seguir à transmissão genética: quais são os caminhos e mecanismos pelos quais essa transmissão se efectua, e se a transmissão dos memes pode ir contra a transmissão dos genes.

Se os três processos de evolução biológica - selecção natural, mutação genética e deriva biológica - podem afectar as tradições culturais. No capítulo 5, trata dos movimentos das populações num ponto de vista Darwiniano ( o aumento ou diminuição das populações como fruto da maximização do seu processo reprodutivo). Analisa de seguida o papel da tecnologia na exploração dos recursos, com análise de custo-benefício. Analisa ainda a relação macho-fêmea, baseado na teoria da selecção natural, a aparente escravatra das mulheres na Idade do Bronze, o aparecimento da sociedade hierarquizada, da propriedade privada, e a sua influência na organização da sociedade, e na desigualdade social.

O livro representa um olhar bem diferente, e talvez revolucionário, sobre a arqueologia tradicional.

Homenagem a Hal e Margareth Roth

Acabei de reler pela enésima vez Two on a Big Ocean, (ed. W. W. Norton & Co. , 1972, 287 páginas), o primeiro relato de uma volta ao Oceano Pacífico em 1965, no Whisper, um iate de 35 pés, durante dezanove meses, perfazendo mais de 18.500 milhas. Comprei este livro em Julho de 1981.

Hal Roth foi, pelas suas viagens, pela sua qualidade como escritor e pessoa de bem, uma inspiração para toda uma geração de amantes das coisas do mar, e julgo que tenho todos os livros que publicou ao longo da sua vida: After 50,000 Miles, Two Against Cape Horn, (talvez seu melhor livro e onde conta um naufrágio exactamente no Cabo Horn), The Longest Race (o relato de uma volta ao mundo em solitário a contar para o BOC Challenge), Always a Distant Anchorage, (um capítulo inteiro dedicado a uma estadia de um mês subindo rio Guadiana), Chasing The Long Rainbow, We Followed Odysseus, (uma volta magnífica ao Mediterrânio seguindo as passadas de Ulisses), e How to Sail Around The World.

Mais de 200.000 milhas no mar, quase todas na companhia da sua mulher Margareth com quem compartilhou uma vida cheia de viagens e aventuras em pleno século vinte, um homem fora do comum, a quem presto a minha homenagem.

quarta-feira, novembro 23, 2005

O Rallye Dakar conta com o patrocínio do Estado

A suprema javardice a que me referi aqui em Maio passado, vai contar com três milhões de euros de financiamento do Estado. Como é possível isto num país que não tem dinheiro para nada? Que vantagens vêm para Portugal que justifiquem este "investimento"? Que "retorno"?

quinta-feira, novembro 17, 2005

Onde pára a polícia?

Faço mais de 50.000 kms por ano. Nos últimos vinte anos só fui parado pela polícia duas vezes, para mostrar os documentos e soprar no balão, em 1999 e em 2003.

Vou ao Algarve ou ao Norte quase todos os meses, e vejo (quando vejo) no máximo um carro patrulha em toda a viagem. Responder-me-ão que as patrulhas andam em carros disfarçados. Acho mal. Acho péssimo até. Isso é caça à multa. Não é assim que se faz prevenção rodoviaria. A prevenção faz-se pela ostentação, pela presença constante da polícia. A polícia é o representante permanente, (e para muitos de nós o espelho), da autoridade do Estado junto aos cidadãos.

Passo há vinte e cinco anos todos os dias pela Ponte 25 de Abril, e nunca fui interpelado, nem nunca sequer vi uma patrulha de trânsito à saída das portagens, como vejo com frequência nas autoestradas de Espanha ou França onde me desloco com regularidade. Também nunca vi patrulhas na Ponte Vasco da Gama, embora esteja lá um posto da GNR. Não há carros roubados? Não há matrículas para conferir? Não há carros sem farois? Não há menores a conduzir? Não há gente obviamente incapacitada?

Em Lisboa há carros parados por cima dos passeios, inclusivé por cima de passeios junto aos parques de estacionamento públicos com lugares vazios, e a polícia não actua. Com a maior desfaçatez para-se em segunda e terceira fila, acendem-se os piscas, e vai-se tratar da vida, o trânsito fica de repente caótico, mas a polícia não actua.

Onde, mas onde pára a polícia que não a vemos?

Uma vitória importante para a liberdade de expressão

Quando no final dos anos noventa se verificou que o uso da internet já tinha saído para fora do pequeno circulo restrito de iniciados que dez anos antes, com as funções básicas de comunicação por texto, do tipo telex, começara a divulgação deste novo meio de comunicação, foi criada uma organização na Califórnia chamada de ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), organização não-governamental e sem fins lucrativos, com a finalidade de impor algumas regras sobretudo no domínio dos nomes e sufixos, para que a nova rede se tornasse um todo coerente.

A ICANN teve tanto sucesso, que como é costume, o seu controle começou a ser cobiçado por organizações burocráticas ligadas aos governos que quiseram incluir as funções da ICANN dentro da International Telecommunications Union (ITU) com sede em Genève. A ITU é uma organização internacional que funciona dentro da ONU, com os resultados medíocres que todos conhecemos, porque ainda hoje funciona como uma capelinha de interesses onde ninguem se entende e cada um quer impor a sua vontade (qualquer um que siga o que se passa com o negócio dos correios e telecomunicações sabe que a característica principal desta actividade tem sido a protecção que lhe é dada pelos respectivos governos, sobretudo aqueles que querem controlar as suas populações). Até mesmo em democracias como a nossa, o governo português tem uma golden share na Portugal Telecom com a qual efectivamente controla quem manda na Companhia.

O último assalto à autonomia e independência da ICANN está-se a dar esta semana (16-18 de Novembro) em Túnis, capital da Tunísia, onde sob o título grandioso de World Summit on the Information Society e debaixo da batuta de Kofi Annan, e da corte habitual de Ministros da Comunicações de todo o mundo, oito sessões plenárias - oito, cada uma com cerca de vinte países e organizações, vão discutir o futuro da liberdade da internet.

A experiência do que se passou recentemente com a China (em que muitos acessos são vedados por acederem a conteúdos que criticam o sistema político), Cuba (onde o registo é obrigatório e controlado), e tantos tantos outros governos assustados com os riscos que a liberdade de expressão implica, leva-me a temer o pior. A ONU não é um exemplo de liberdade. Nunca será demais recordar o que já escrevi aqui e não quero repetir. Retirar à ICANN o controlo da Internet e entrega-lo à ONU é um erro grave que pagaremos caro. Não sei qual é a posição do governo português sobre isto, se calhar nem tem posição e o Ministro só lá vai passar três dias de férias à conta do orçamento, mas tenho ouvido e lido ultimamente louvoures à actuação da ITU. Há secretamente um SS/KGB dentro de muitos de nós.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Animals Tracks, Trails & Signs - Hamlyn Guide

Quem se interessa pelo mundo natural e gosta de passear pelo campo e observar a natureza, tem à sua disposição na FNAC por apenas 7€, (UK price £12.99), um pequeno field guide de 320 páginas, com mais de 800 fotografias e ilustrações, um precioso auxiliar de pistas e sinais deixados por quase todos os mamíferos, aves e invertebrados da Europa. O livro tem ainda um capítulo inteiro sobre observação de crânios de mamiferos e aves, um outro sobre a actividade alimentar (alimentos e reconhecimento dos seus dejectos), um outro ainda sobre casas e abrigos, entre outros de menor interesse. Recomendo vivamente não só pelo preço, mas sobretudo pela qualidade da publicação, e a sua portabilidade para usar no campo.

terça-feira, novembro 15, 2005

O Codex 632 de José Rodrigues dos Santos

Raras vezes leio romances.

Acho até que a arte do romance, tal qual a conhecemos, acabou no final do século vinte, mas estou disposto a fazer já uma excepção para Mário Vargas Llosa.

Na literatura portuguesa considero Saramago um bom escritor mas vazio de ideias. O seu Nobel não me impressiona. Quero mesmo dizer vazio de ideias. Lobo Antunes é um pedante insuportável.

Nas férias gosto de ler livros de férias. Do tipo Equador de Miguel Sousa Tavares (lê-se para passar o tempo, sem mais, e nem compreendo o fascínio que o livro e o autor exercem sobre as mulheres mais excitadas), e o Código DaVinci, um livro interessante até à pagina cinquenta e tal, e depois uma repetição infindável dos mesmos acontecimentos até ao final previsível. O sucesso alcançado pelo livro é para mim um mistério total, e tem mais a ver com a publicidade bem conduzida , que com qualquer outra coisa.

Foi por isso com surpresa que li ontem, de um só folêgo, o recentemente publicado Codex 632 de José Rodrigues dos Santos, (esse mesmo o do Telejornal), que me foi oferecido por uma amiga compadecida com a minha dolorosa convalescência.

Motivado seguramente pelo sucesso da trama do Código DaVinci, e baseado no mesmo tipo de argumento, o livro é muito mais bem estruturado e feliz. Sóbrio, ainda que ligeiro, mas bem escrito, um tema bem português, uma acção que apesar de parecer escrita para o cinema, não perde qualidade. É sem dúvida um excelente livro de férias, cuja leitura recomendo.

O mal francês

Todos se pronunciam sobre o mal estar reinante em França, que leva a que nas ruas se queimem os carros dos próprios vizinhos, numa revolta sem inimigo aparente, sem cabecilhas, e sem razão explícita.

O Economist desta semana (conteúdo pago) trás o assunto para a primeira página, - France's Failure - lembrando que o recolher obrigatório agora decretado data da guerra da Algéria, que a França tem dentro de si entre cinco e seis milhões de Muçulmanos muitos deles não integrados na comunidade, com instituções que não os representam, que o policiamento local é incipiente e descriminatório para com todos os estrangeiros, que há desemprego por causa da lei das 35 horas horas de trabalho, e da rigidez do mercado de despedimentos, que o desemprego grassa entre os jovens de 20 anos.

Parece que o mal é francês.

Ora o mal não é francês. O mal é Europeu. Muito nosso.

O mal é que segundo um estudo do Wall Street Journal publicado esta semana, enquanto desde os anos setenta se criaram cinquenta e sete milhões de empregos na América, se criaram apenas quatro milhões de empregos na Europa, e quase todos no Estado.

A Europa não consegue atraír investimento nem emprego.

E não o fará enquanto não abandonar a sua desastrosa política assistencialista.

Os Europeus estão de tal modo drogados nas virtudes do seu autoproclamado Estado Social, que não conseguem entender que tem estado a atraír para dentro das suas fronteiras, populações inteiras de subsídio-dependentes, que pela sua própria cultura (no sentido de mindset), se recusam a trabalhar, e que o seu celebrado Estado Social não consegue gerar emprego nem para os próprios cidadãos, quanto mais para os estrangeiros.


sexta-feira, novembro 11, 2005

Tapar o sol com uma peneira, ou como resolver um problema de hoje vigarizando os nossos descendentes

Notícia no Publico que se transcreve:


Quatro mil milhões garantem reformas de 27.500 trabalhadores
Segurança Social pode absorver fundo de pensões do Millennium BCP
10.11.2005 - 07h42 Cristina FerreiraPÚBLICO


O Millennium BCP propôs ao Governo a passagem da totalidade dos trabalhadores do banco para o regime geral da Segurança Social o que, a concretizar-se, implicará a transferência para a Segurança Social do fundo de pensões dos seus empregados, avaliado em quatro mil milhões de euros, o equivalente a 2,9 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2005.

Neste cenário, as contas da Segurança Social fariam um encaixe de igual montante, tal como como sucedeu com a Caixa Geral de Aposentações, entidade que faz parte do subsector Estado, aquando da transferência do fundo de pensões dos trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Se o Eurostat, o organismo de estatística da União Europeia que também certifica as contas públicas dos Estados-membros, aceitasse a operação, os 4000 milhões de euros do fundo de pensões do BCP seriam contabilizados como receita extraordinária da Segurança Social do ano em que se realizasse a transferência, reduzindo o défice das administrações públicas em igual montante. Por exemplo, se a operação fosse concretizada em 2005, o défice deste ano em percentagem do PIB seria de 3,3 por cento, em vez dos 6,2 por cento previstos.

O PÚBLICO sabe que o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, e o presidente do Millennium bcp, Paulo Teixeira Pinto, estiveram já reunidos duas vezes nos últimos meses para debater a questão da integração dos trabalhadores do banco no regime geral da Segurança Social, mas as duas partes recusam comentar.

"O ministro por agora nada tem a dizer sobre o assunto", afirmou ao PÚBLICO o porta-voz do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, recusando pronunciar-se igualmente sobre as consequências orçamentais da operação. "O banco não tem declarações a fazer", declarou por seu turno o porta-voz da instituição.

Na eventualidade do fundo de pensões do BCP ser integrado no sistema público, isso afectaria os cerca de 15.000 reformados do grupo mais os 12.400 trabalhadores no activo admitidos antes de Março deste ano - os contratados posteriormente entraram directamente para o regime oficial.

O que muda para os trabalhadores

Para os actuais reformados do grupo, a única diferença é que passariam a receber as reformas da SS. Quanto aos trabalhadores no activo, descontam cinco por cento do ordenado para o fundo de pensões do banco e três por cento para a Caixa de Abono das Famílias dos Empregados Bancários (CAFEB), o que perfaz oito por cento do salário. Com a integração no sistema geral, os descontos passariam a ser canalizados para o regime público de pensões. Como as deduções para a SS a cargo dos trabalhadores são à taxa de 11 por cento, os funcionários do banco poderiam ser prejudicados. Para evitar que isso aconteça, o Millennium avançaria com o diferencial de três por cento, integrando-o no salário dos colaboradores - algo que já acontece com os funcionários admitidos no BCP depois de Março, que beneficiam de uma cláusula que os impede de auferir um salário líquido inferior ao que recebem os abrangidos pelo regime tradicional dos bancários. Além de cobrir aquela diferença, o Millennium pagaria as contribuições para a SS a cargo do patronato, no caso 23 por cento da remuneração.

Caso se concretize a proposta de Teixeira Pinto, a responsabilidade do pagamento das pensões dos aposentados e actuais trabalhadores do BCP passará para o Estado, e o banco verá eliminados os riscos associados ao actual sistema de reformas dos bancários (mercados, metodologia e pressupostos actuariais, longevidade e crescimento dos salários).

Da responsabilidade da instituição ficaria apenas o pagamento dos complementos salariais negociados com o funcionário (como seja o suplemento de isenção de horário), o que seria assegurado pelo fundo de pensões complementar com uma dotação de 500 milhões de euros.

A integração dos bancários no regime público tem sido uma medida reclamada pelos banqueiros portugueses, que alegam que a sustentabilidade do sistema de pensões dos seus trabalhadores está em causa, pois os reformados do sector ultrapassam já os activos totais e as metodologia e pressupostos actuariais estão desajustados. Este é um tema de âmbito do ACTV (contrato colectivo de trabalho) e que não necessita de autorização legislativa, mas do acordo das várias partes envolvidas.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Um candidato presidencial perfeito

Alguns comentaristas dos media e blogosfera propõe-nos um candidato que seja simpático e bonacheirão, que una os portugueses, que não se prenda com números ou com esse tipo de detalhes, que seja humilde, que dê benesses com carinho e amizade, que seja um bom garfo e saiba comer à mesa, que use os poderes presidenciais com bonomia, ajudando a todos, distribuindo apertos de mão pelas multidões que o perseguem, que viaje muito e represente bem nosso bom e amado país.
Sugiro então que se avance com a candidatura do Pai Natal.